Isto não é uma Estratégia
O que diremos agora, apesar de doloroso, é um fato: a grande maioria das pessoas têm um conceito equivocado — ou no mínimo impreciso — de Estratégia.
O Lab de Estratégia já teve a participação de mais de 150 pessoas, de diferentes áreas de atuação em produtos digitais, diferentes empresas e setores, diferentes trajetórias profissionais e expectativas de aprendizado.
É uma satisfação enorme pra nós anunciarmos mais um ciclo de troca, evolução e construção conjunta. Mais do que isso, é um privilégio ter contado com a confiança e a validação das turmas até aqui. Com elas chegamos aqui com um programa forte e do qual temos muito orgulho.
Isto não é uma Estratégia
Nosso objetivo com este texto1 é trazer um pouco mais de clareza para um assunto que muitas vezes parece que pouco nos pertence. Ou que parece tão longe ou tão complexo que se torna quase um convite pra que a gente se afaste do assunto (às vezes até que pode ser mesmo). E só voltar a se conectar com ele quando for a hora de executar o que foi definido e sacramentado.
E isso é algo comum a todos os grandes temas nos quais mergulhamos aqui na Produtos para Humanos. Falar sobre um assunto importante como esse sem discutir as confusões e dogmas estão ao seu redor, na prática mais atrapalha do que ajuda. Quem faz isso só está iluminando um caminho que termina direto no buraco.
Por outro lado, quando a gente consegue tirar toda essa confusão da frente, nós não tornamos as coisas necessariamente mais fáceis pra ninguém. Mas permitimos que quem quiser mergulhar no assunto o faça com mais confiança de que está focando na coisa certa. Criamos espaço pra uma (re)aproximação das pessoas com asssuntos cruciais para o que elas fazem no trabalho.
Dito isso, vale dizer que:
Missão e propósito não são Estratégia.
OKRs não são Estratégia.
Roadmap não é Estratégia.
Cortar custos e melhorar a eficiência operacional não é Estratégia.
Fechar uma operação que não dava receita em outro país não é Estratégia.
Uma lista de princípios de Design não é Estratégia.
Estratégia de conteúdo não é Estratégia.
Fazer pesquisa exploratória não é Estratégia.
O planejamento do ano ou do trimestre do seu time não é Estratégia. Nem do seu chapter, nem da sua guilda.
E não, um Product Vision Board preenchido não é Estratégia.
Se nada disso é Estratégia, o que é então?
O conceito de Estratégia proposto pelo autor Michael Porter2 — provavelmente o mais influente e respeitado sobre esse assunto no mundo até hoje — é, ao contrário do que se poderia imaginar, bastante claro e objetivo.
Estratégia, segundo ele (mas com a nossa síntese) é um conjunto de decisões que uma empresa toma ao redor de 3 pilares.
O primeiro pilar diz respeito à declaração do lugar único (exclusivo) que deseja ocupar num determinado mercado. O segundo é sobre que atividades ela pretende realizar de maneira diferente, que confiram a ela essa posição. E o último é sobre as capacidades estruturais que possui e que serão utilizadas para competir e ganhar.
É isso.
Qualquer coisa que não faz parte disso — não é Estratégia.
Elas podem ser passos, atividades, planos ou objetivos — coisas importantes e que são críticas para que uma empresa consiga, por exemplo, executar com excelência as escolhas que foram feitas. Mas não são a Estratégia em si. Utilizar o termo pra designar as coisas que listamos acima atrapalha nosso entendimento e nos faz muitas vezes dividir erroneamente a prioridade, dedicação e urgência que damos para cada assunto3. A consequência disso é que perdemos oportunidades importantes de gerar impacto e nos conectarmos com o que é prioridade para a empresa no momento.
Para ajudar a materializar essas definições e instrumentalizar o processo de decisão sobre os três pilares, nós trabalhamos no Lab de Estratégia com dois conceitos, que são essenciais pra nossa jornada. São eles as Arenas e os Ativos Estratégicos, presentes no nosso Guia de Sobrevivência e sobre os quais falaremos em um dos próximos textos.
É sobre decisões
A gente aqui vai, volta — e sempre acaba parando alguma hora no assunto decisões (aliás, já comprou nosso livro?).
Deixando o motejo de lado, essa parte é bastante importante para conseguirmos entender de maneira adequada esse conceito.
Ao entrar mais profundamente no assunto, Porter menciona alguns princípios norteadores do processo de tomada de decisões da Estratégia — e que pra nós fazem todo sentido:
a empresa precisa analisar e decidir intencionalmente por um determinado caminho. Deixar a vida levar não faz parte disso.
tão ou mais importante do que as escolhas que são feitas na Estratégia, são as escolhas que decidimos não fazer — as posições possíveis que, de maneira consciente e informada, a empresa decide não perseguir (estamos falando dos famosos trade-offs).
Um trade-off presume muitas vezes abandonar caminhos que estavam sendo trilhados — e isso é uma consequência esperada do processo de definição da Estratégia.
Abandonar neste caso tem muito menos a ver com perder algo, mas com ganhar a possibilidade de focar todas as energias no que de fato é prioridade — e que pode fazer a diferença no resultado final.
O que não é Estratégia ainda é importante
Não é porque não estão contidos na Estratégia que cada um dos itens que estão listados lá em cima perdem a importância.
E, inclusive, esse é um viés que aparece na nossa vida como consequência de todos esses dogmas e conceitos errados com os quais nos relacionamos ao longo da nossa carreira.
Muitas empresas e lideranças por aí usaram de maneira irresponsável o termo Estratégia para criar uma aura de importância sobre algum assunto.
É só colocar a palavra mágica antes ou depois, que tudo fica mais fácil: contratar, trocar um aumento de salário por uma função com Estratégia no nome, evitar questionamentos sobre um projeto que precisa fazer descer de qualquer jeito…etc. E isso foi criando um monte de gente confusa e desperdiçando seu potencial de realmente contribuir para as prioridades da organização.
Quanto antes começarmos a considerar o processo de Estratégia como ele realmente deveria ser considerado — como mais um dos inúmeros processos que rodam em uma empresa — mais rápido vamos perder o medo de encostar no assunto, exercitar e criar nossas próprias opiniões. Um processo vital pra empresa, mas ainda assim um processo — passível de ser entendido em detalhe e que precisa de pessoas com boas ideias e evidências para influenciar seus resultados e conduzi-lo. Pessoas, assim como você e eu.
Quando uma área decide criar a sua própria "estratégia", por exemplo, ela automaticamente está colocando as prioridades da empresa em segundo plano. Mesmo tentando garantir algum alinhamento entre estratégia da empresa e da área, isso não é garantido. E a tendência é que quando houver algum conflito, as pessoas sigam os objetivos da área, porque estão naturalmente mais próximos e potencialmente mais bem detalhados — uma liderança que cria um documento de estratégia pra sua área provavelmente não vai gastar muito tempo na tradução da estratégia organizacional para sua equipe.
Entre no site do Lab de Estratégia, entenda tudo o que o programa pode lhe oferecer e mande sua aplicação pra gente. As vagas são limitadas.
O título é uma brincadeira com o quadro “A traição das imagens” (1929), do artista belga René Magritte (1898-1967).
No livro Estratégia Competitiva (Michael Porter, 2004).
Qual o problema em chamar coisas como as que citamos no artigo de “Estratégia”?
Não é necessariamente um problema — mas, quando muita coisa é Estratégia, fica muito difícil focar na coisa certa pra que nosso trabalho ganhe relevância e tenha chance de impacto. Estratégia tem a ver com decisões sobre o que fazer e o que não fazer, que vão determinar e guiar o trabalho de toda uma companhia. Quanto mais embaralhamos isso com outras coisas, mais longe ficamos de um entendimento claro, direto e objetivo sobre para onde se está indo — e das oportunidades que potencialmente teríamos para criar algum impacto positivo para o negócio.