Flywheel: uma ferramenta poderosa (e subestimada)
O ciclo virtuoso de crescimento de uma empresa pode nos ajudar a alcançar um entendimento mais profundo sobre o que é importante e prioritário para o negócio — e qual o nosso papel a partir disso.
Estamos chegando ao final da segunda semana desta edição do Lab de Estratégia. Nos últimos encontros discutimos sobre algumas ferramentas úteis para entendermos do negócio em que atuamos de maneira mais profunda. Abordamos especificamente Modelo de Negócios e Ciclo Virtuoso de Crescimento (também conhecido como Flywheel).
Queria aproveitar o momento pra escrever sobre essa ferramenta que pra mim é extremamente útil, mas que normalmente é bastante subestimada (ou mal compreendida) por times e pessoas de produto.
O que é
Uma flywheel tem a intenção de mapear quais alavancas do negócio geram resultados positivos isoladamente e, enquanto grupo, criam uma dinâmica de reforço entre elas que resulta em crescimento não linear. Seu resultado representa uma vantagem que vai se tornando cada vez mais difícil de copiar.
Um dos ciclos mais emblemáticos e conhecidos é o do Uber, pauta deste artigo do Andrew Chen, ex-Chief Growth Officer da empresa.
O “efeito flywheel” não é algo novo e nem específico do nosso universo — ele vem da física. E é bem ilustrado aqui nesse vídeo1, em que vemos um ciclista que começa girando devagar e com muito esforço essa coroa gigantesca (relação 120x15), mas que em pouco tempo alcança uma velocidade muito acima do normal sem fazer quase nenhuma força — ela chega a 140 km/h. É como se a coroa girasse sozinha a partir do movimento feito inicialmente.
No nosso contexto, uma flywheel — se bem desenhada — é uma ferramenta que documenta de maneira muito concisa e transparente a tese de crescimento de uma empresa. E pra muitos negócios, ter clareza sobre isso significa não apenas uma visão mais integrada sobre o que é prioridade, mas a diferença entre conseguir ou não conseguir captar o investimento necessário para ajudar a tornar essa tese realidade. Que pode se traduzir em alguns casos na diferença entre continuar ou fechar as portas.
Por que é útil para nós em produto?
Vejo muitas pessoas e times de produto buscando respostas sobre o funcionamento de um negócio e sua estratégia em instrumentos como visão, missão e propósito. Ou na ausência de informações que ajudem a direcionar seu trabalho, buscar clareza desenhando árvores de oportunidades, jornadas de usuário e product vision boards — entre outros canvas e frameworks. Enquanto a flywheel, por alguma razão, na maioria das vezes nem faz parte do seu repertório.
Particularmente, eu entendo que existe muito valor numa flywheel bem construída — e tenho utilizado bastante essa ferramenta ao longo dos anos — muitas vezes em substituição a todas as outras que citei aqui em cima. Em ambientes em que a informação não chega facilmente até nós (ou simplesmente não chega), precisamos escolher muito bem nossas batalhas.
Por isso, precisamos escolher ferramentas que permitam entender de maneira precisa um determinado contexto — e mais do que isso, que consigam dar suporte para que as nossas decisões sejam tomadas com mais qualidade e confiança.
Analisando um ciclo virtuoso, conseguimos enxergar de maneira bastante clara qual é a contribuição de produto — e das iniciativas nas quais estamos envolvidos — para o crescimento sustentável da empresa.
É uma ferramenta que nos permite:
Entender quais são as alavancas prioritárias de crescimento para o negócio — e quais não são;
Descobrir lugares que não estamos — mas deveríamos estar — ocupando;
Encontrar oportunidades não mapeadas onde produto poderia ter uma contribuição relevante — ou mesmo onde ele seja essencial para o alcance e/ou sustentação de uma determinada alavanca prioritária;
Entender, dentro da tese de crescimento de uma empresa, o que já foi validado e o que ainda é hipótese — e que pode ter nosso apoio para que ela seja testada com mais robustez ou velocidade;
Identificar de maneira objetiva onde estão as fragilidades2 do nosso modelo de negócios e a partir disso entender de que maneira podemos ajudar a empresa a superá-las.
Todas essas coisas, se aplicadas corretamente, trazem um impacto significativo para o nosso trabalho. Os três principais, pra mim são estes abaixo.
1. Atuamos com mais foco.
Conseguimos priorizar as iniciativas mais facilmente, a partir do nosso entendimento do que é importante e urgente para o negócio — não para nossa área nem para algum stakeholder específico. Temos argumentos mais robustos para, quando for necessário, dizer não.
2. Nosso trabalho se torna visivelmente mais alinhado com a organização.
Além do nosso backlog, nossas métricas e indicadores se tornam menos específicos e até mesmo as estruturas dos times podem mudar. Por exemplo: eu já utilizei o ciclo virtuoso como base para definir a lógica de organização dos times de produto e tecnologia. Tínhamos um time cuidando de maneira dedicada de cada pilar da flywheel.
3. Ganhamos mais consciência.
Principalmente quando conseguimos entender se existe alguma fragilidade importante no modelo de negócios da empresa em que trabalhamos. Paramos de acreditar em tudo o que nos contam e começamos a enxergar as coisas como elas realmente são — e isso nos permite tomar melhores decisões sobre nossa abordagem, nossas prioridades e até sobre as empresas que escolhemos para trabalhar. Principalmente no momento em que estamos, ter clareza sobre o porquê da necessidade de captar dinheiro em fundos de investimento — e se esse dinheiro está sendo usado para que ela de fato caminhe em direção a uma vantagem competitiva sustentável, ou se está apenas financiando as aventuras de algum ex-MBA entediado.
Como fazer?
Talvez (ou provavelmente) a sua empresa não tenha uma flywheel desenhada. Mas isso não deveria impedir você de desenhar uma, usando informações que você já tenha ou que consiga coletar/entender3.
Criamos um passo-a-passo para ajudar as pessoas que fazem o Lab de Estratégia nessa tarefa. De maneira bem resumida:
Comece listando a (ou uma das) proposta de valor da empresa / solução.
Na etapa seguinte, insira qual o maior/mais direto impacto da proposta de valor da empresa ou solução (listada na etapa anterior) para o usuário.
Depois, descreva qual métrica de negócio é alavancada a partir do impacto para o usuário (captura do valor).
Por fim, liste a alavanca que essa captura de valor permite otimizar ou qual trava para o crescimento da empresa que a captura de valor permite retirar.
E pra encerrar, faça um teste de qualidade do que você criou: cada item listado gera um reforço positivo? A dinâmica final gera um crescimento exponencial (ou desproporcionalmente maior a cada vez que o ciclo se completa)?
Abaixo ilustramos como ficaria uma flywheel simplificada do modelo de negócios da Amazon, aplicando nosso checklist:
Faça o download aqui do nosso template de flywheel (além de outros que fazem parte da jornada no Lab de Estratégia).
Dicas finais
Você não precisa necessariamente sair mostrando a flywheel por aí pra ter alguma validação, nem fazer um workshop pra desenhá-la com todos os stakeholders da empresa (mas se quiser, pode). Esse pode ser um exercício individual e privado, que pode te ajudar nos desafios do dia-a-dia. O mais importante não é a ferramenta em si, mas sim utilizar os insights e aprendizados que vierem a partir da sua construção e análise. É aqui que está o potencial de criação de valor.
Da mesma forma, ela não precisa estar completa da primeira vez. Ela pode ser algo vivo, que você vai evoluindo conforme aprofunda seu entendimento sobre a empresa e o negócio.
Importante entender também que ela não vai te trazer todas as respostas — existem ferramentas que se complementam pra oferecer uma visão abrangente e aprofundada — basta escolher as ferramentas mais adequadas para o que você precisa. No Lab de Estratégia, passamos por três ferramentas que, de maneira geral, ampliam muito nossa visão de negócios e se complementam bem. São elas: Modelo de Negócios (na nossa versão enxuta, para profissionais de produto), Flywheel e Árvore de Alavancas.
Em um dos textos do nosso Guia de Sobrevivência, falamos bastante sobre esse assunto. Confira →
Todo modelo de negócios possui fragilidades. As decisões sobre a estratégia de uma empresa são trade-offs (falamos sobre isso neste texto aqui).
Se for impossível — mesmo — desenhar algo, mesmo que simples, vale se preocupar. Isso pode ser um sinal de que não existe tese de crescimento sustentável.