O que é o efeito bikeshedding e porque ele importa para pessoas de produto
Você já esteve numa reunião em que parecia impossível tomar alguma decisão? Já precisou que algum grupo tomasse decisão sobre um tema e se viu num buraco negro em que qualquer coisa poderia ser discutida, menos aquilo que efetivamente você precisava que fosse discutido?
Pois é. Esses dois exemplos são bastante comuns não apenas para times de produto, mas em ambientes empresariais como um todo. Foi pensando nisso que escrevi este texto, tentando trazer um pouco de luz sobre as possíveis causas desse problema que é tão familiar quanto relevante — e pra compartilhar algumas sugestões de como resolvê-lo.
Spoiler: a causa desse problema não é processo, mas processo pode ajudar a resolver.
Situações como a que citei no início do texto, em que grupos de pessoas travam em discussões de questões triviais e procrastinam tomar decisões sobre coisas efetivamente relevantes, são chamadas de “bikeshedding effect” (bike shed em português significa bicicletário, daí o título do texto).
O termo bikeshedding é usado para ilustrar a Lei da Trivialidade, criada por C. Northcote Parkinson em 1957, que diz que membros de uma organização dão atenção inversamente proporcional a questões de menor importância.
Ele cita como exemplo um comitê fictício, cujo trabalho era aprovar os planos para uma usina nuclear, gastando a maior parte de seu tempo na discussão sobre que materiais utilizar na construção do bicicletário do lugar do que no projeto proposto da própria usina.
Trazendo para o nosso contexto, esse efeito ocorre com maior frequência em discussões de grupo nas quais se precisa tomar alguma decisão, principalmente em reuniões — sejam elas presenciais ou remotas. Aqui embaixo eu explico o porquê.
Por que isso ocorre?
Basicamente porque nós, seres humanos, somos repletos de vieses cognitivos. Esses vieses, multiplicados pelo número de pessoas em um grupo — e potencializados por alguns elementos da cultura organizacional em curso — resultam nesse efeito.
No geral, o bikeshedding acontece porque assuntos mais triviais são mais fáceis de entender do que questões mais complexas. Como consequência, nós nos sentimos mais confortáveis discutindo temas mais simples e fáceis de resolver.
Além disso, outros vieses cognitivos contribuem pra que o bikeshedding aconteça:
1. Síndrome do parecer ocupado (busy work)
Empresas valorizam a produtividade. Isso não é algo ruim, mas faz com que as pessoas tentem parecer ocupadas mesmo quando não precisariam estar ou quando seu trabalho não traz necessariamente valor. Quem nunca?
O problema é que muitas vezes a produtividade (e a proatividade) é traduzida pela vocalização das opiniões das pessoas em um grupo. O resultado disso é que é muito mais fácil ser vocal sobre temas que conhecemos bem — ou que sabemos que outras pessoas entendem também. Quando fazemos isso, nos sentimos competentes e realizados. No contexto de uma reunião de grupo, isso faz com que se perca muito tempo discutindo questões mais triviais e as questões mais importantes fiquem de lado.
2. Efeito Dunning-Krueger
De maneira objetiva, esse efeito ocorre pois não conseguimos reconhecer nossa própria inabilidade e ignorância sobre assuntos com os quais temos contato. Quanto menos sabemos de um assunto, mais temos a falsa impressão de que somos hábeis o suficiente para sustentar uma discussão sobre ele ou até de que estamos aptos a tomar certas decisões.
Essa falta de calibração interna faz com que 1) a legitimidade de pessoas que realmente conhece do tema não seja respeitada, abrindo espaço pra quem quiser opinar inadvertidamente e 2) os assuntos em questão sejam reduzidos a discussões superficiais, deixando as discussões relevantes em segundo plano.
3. A tirania das pequenas decisões
Esse fenômeno foi explorado num estudo publicado pelo economista Alfred Kahn, em que declara que onde há recursos compartilhados, as pessoas tomam pequenas decisões locais baseadas nos seus interesses pessoais. Essas decisões, aparentemente insignificantes, resultam num efeito catastrófico para todos os que compartilham dos mesmos recursos, inclusive para as pessoas que tomaram as decisões no dia-a-dia.
Trazendo para o nosso contexto, o recurso compartilhado mais importante em qualquer empresa é tempo. A discussão de temas menos importantes pode fazer com que uma parcela do grupo em questão se sinta segura e realizada — mas possui impacto negativo significativo no tempo total utilizado para tomar decisões dentro do time. Na prática, dá pra afirmar que uma empresa que sistematicamente posterga decisões importantes demora mais para lançar produtos, perde meses de resultados financeiros e está sempre correndo atrás de seus concorrentes mais velozes.
Como evitar o bikeshedding em times de produto?
A primeira coisa a se fazer é naturalizar que esses vieses existem. Entender que eles podem ser manifestados a qualquer momento e entender como tratá-los é o melhor jeito de solucionar o problema na causa-raiz.
É importante discutir dentro dos times a existência destes vieses e suas consequências, e a partir disso criar alguns "contratos" que irão ajudar a implementar uma cobrança mútua entre as pessoas — mas de um jeito leve e natural. Ninguém é pior do que ninguém por ter vieses cognitivos que na maioria das vezes são inconscientes.
Outras coisas que podem ajudar:
evitar reuniões que possuem mais de uma pauta ou objetivo. É fácil se perder se existem várias decisões a serem tomadas numa mesma reunião. Uma reunião, um objetivo — é sempre possível quebrar uma reunião maior em várias menores.
pessoas certas para cada fórum. Muitas reuniões não avançam porque existem pessoas com pouco contexto do assunto ou que nem precisavam estar ali. Escolher as pessoas que realmente precisam estar na reunião e dar antecipadamente o contexto necessário é essencial para que uma reunião seja produtiva.
janelas de tempo para discussões e tomadas de decisão. Ter pessoas responsáveis pelo tempo ajuda a organizar a reunião e entender se é necessário mais tempo — ou um outro momento pra aprofundar a discussão.
processo de trabalho. Em alguns casos, estruturar um processo para que uma reunião evolua de um jeito mais produtivo, pode funcionar. Algumas cerimônias em times de design e engenharia funcionam bem porque seguem determinada estrutura, como por exemplo code review e design critique.
ferramentas de convergência. Usar a ferramenta correta para guiar a discussão e a tomada de decisão pode ajudar muito em contextos mais complexos. O lean canvas, por exemplo, ajuda bastante qualquer grupo a ter foco nos pontos corretos de discussão para o momento em que o negócio/produto está. Canvas de experimentos, por exemplo, ajudam a focar nas hipóteses em questão e fazem com que os times não voltem em hipóteses já validadas ou menos importantes para aquele momento.
não fuja da raia. Quem prepara uma reunião deve levar, no mínimo, uma recomendação de decisão a partir de 2 ou mais cenários. Levar somente os dados e deixar um grupo decidir pelo melhor caminho é receita para que o bikeshedding aconteça.
Em tempo (1): existe um outro princípio chamado Lei de Sayre, que apesar de originado a partir do estudo das dinâmicas acadêmicas, dá pra enxergar ocorrendo em qualquer tipo de interação humana. O princípio diz que “em qualquer disputa, a intensidade do sentimento é inversamente proporcional ao valor do que está em jogo".
Em tempo (2): o site Coding Horror documenta uma história em que um desenvolvedor de game incluía em todos os releases um elemento com código fraco e que não fazia o mínimo sentido dentro do cenário ou da história. Isso apenas para que a pessoa que estava fazendo a gestão do desenvolvimento tivesse algo para retirar da versão — e sentir que estava adicionando valor no processo, segundo a história. É uma estratégia que não recomendo, apesar de ter me tirado algumas risadas.