Como tomar decisões melhores: avaliando nosso papel e grau de autonomia
Quando se trabalha com produtos digitais, conforme os sprints e os trimestres vão passando, não é incomum nos vermos em algum momento atolados até o pescoço em decisões que precisam ser tomadas no dia-a-dia:
— "Precisamos fazer mais experimentos ou o que temos é suficiente pra fazer rollout?"
— "Que feature entregamos primeiro: A ou B?"
— "Faz sentido pivotar o produto pra outro mercado?"
— "Tomo essa decisão sozinha ou trago mais gente pra me ajudar?"
Seja qual a nossa função — product manager, designer, tech lead — uma hora a ficha cai: nosso trabalho consiste em tomar decisões o tempo inteiro, individualmente ou em grupo. E depois que a fica caiu, tem gente que passa a carreira inteira brigando contra ou por causa disso.
O fato é que se dá melhor quem assume essa realidade e consegue navegar nesse universo — no qual temos responsabilidade sobre muita coisa e certeza sobre quase nada.
Além disso (mas não menos importante) nenhuma formação, curso ou conteúdo nos ajuda a trilhar esse caminho. Ninguém ajuda a descobrir maneiras de melhorar nossa massa crítica e nossos processos mentais para sustentar nossas escolhas.
Somos colocados em campo aberto e o que temos em mãos são um monte de receitas de bolo ou canvas em branco — a maioria genéricos e pasteurizados demais pra funcionar na vida real.
É só então que a gente percebe que ninguém nunca nos ensinou a tomar decisões.
Na marra a gente vai tentando, errando, acertando, num misto de competência com sorte — sem muitas vezes saber porque tivemos sucesso ou fracassamos.
O problema é que se fracassamos numa decisão importante, começamos a duvidar da nossa competência. E esse loop gera consequências devastadoras pra nossa saúde mental . A gente vai ficando cada vez mais inseguro e demorando mais pra decidir, vai se desempoderando do nosso papel — ou até mesmo desistindo da responsabilidade de decidir.
Essa série de textos foi escrita pela gente pensando em quem se vê em alguma parte do que descrevemos aqui em cima. Dividimos em 4 partes:
Mapeando nossas alavancas: como fazer uma auto-avaliação que ajude a entender qual deve ser nosso grau de autonomia em decisões específicas
Anatomia da decisão: entendendo as variáveis que influenciam nossa abordagem de tomada de decisão
Identificando vieses cognitivos: como entender quais vieses (nossos ou não) podem influenciar e como atuar
Decidindo e executando: como criar planos que aumentem as chances de sucesso na execução
Pra começar a falar de tomada de decisões, precisamos falar também sobre autonomia.
É quase impossível falar de um sem falar no outro. Autonomia é algo muito importante para quem trabalha com produtos — pessoas se demitem e trocam de emprego todos os dias por causa dela. E por uma ótima razão: times que têm autonomia se movem mais rápido, são mais comprometidos e trabalham muito mais motivados.
O problema aqui mora na confusão da gente achar que precisa de autonomia total pra tomar toda e qualquer decisão.
Autonomia não é sobre poder fazer o que dá na nossa telha a hora que a gente quer
Isso acontece particularmente com Product Managers, que algum dia ouviram alguém dizer que PMs são "CEOs" dos produtos em que atuam. Mas isso também rola com designers, desenvolvedores e pessoas de outras disciplinas. Esperamos muitas vezes que nossa especialidade técnica garanta pra gente soberania sobre tudo o que decidimos. A verdade difícil de engolir é que ninguém, no contexto em que a gente atua, tem 100% de autonomia pra decidir coisas sozinho.
Em qualquer empresa, é praticamente impossível isolar causas e efeitos das escolhas que fazemos de outras pessoas ou áreas. E essa dificuldade de isolar muitas vezes acaba se tornando motivo para uma caça às bruxas, algo pela qual provavelmente todo mundo aqui já deve ter passado — e que faz muito mal pra saúde mental de qualquer pessoa.
E se até CEOs precisam prestar contas para investidores, órgãos governamentais, sociedade e colaboradores, é ingênuo demais achar que autonomia é sinônimo de poder ou importância.
Autonomia não é (sempre) sobre decidir ou dar a palavra final. É mais sobre o quanto conseguimos nos mover e avançar com agilidade, considerando todas as dependências existentes. É sobre como garantimos os alinhamentos necessários sem perder velocidade.
A pergunta que você deve estar se fazendo agora é a seguinte: é possível ter um nível relevante de autonomia mesmo quando não somos nós quem damos a palavra final?
A boa notícia é que sim, é possível. Seja maior ou menor, seja no nível de squad ou de negócio, podemos assumir outros papéis no processo que não a decisão em si, sem perdermos legitimidade, relevância ou impacto (como mostra a figura a seguir).
Como avaliar qual deve ser meu grau de autonomia na tomada de uma decisão?
Pra entender se podemos tomar uma determinada decisão sozinho, ou se ela compete a outra pessoa (ou grupo), precisamos considerar 3 alavancas:
Contexto
Experiência
Comprometimento
Uma autoanálise rápida a partir destes 3 pontos pode ajudar muito a entender qual deve ser nosso papel no processo — e aumentar as chances de se chegar numa decisão melhor e com mais segurança.
A seguir explicamos o conceito de cada alavanca e como podemos avaliar como estamos em relação a cada uma delas.
1. Contexto
Essa alavanca tem a ver diretamente com o volume e a qualidade das informações que possuímos e que nos ajudam a construir um ponto de vista mais profundo e abrangente sobre a situação. Quanto menos contexto, mais incompleto é o nosso ponto de vista — o que aumenta absurdamente o risco de tomarmos a decisão errada.
Contexto pode vir de vários lugares (e nunca de um só), como dados de uso, experimentos já realizados, pesquisas quali e quanti, dados de mercado, conhecimento de stakeholders e pessoas próximas ao problema, pra citar alguns dos principais. Quanto mais contexto temos (e quanto mais forte as evidências), maior é o nosso potencial para tomar uma decisão com maior autonomia.
Pra saber se o seu contexto é menor ou maior, você deve se fazer estas perguntas:
Eu conheço profundamente o problema ou a situação em questão? Tenho evidências suficientes para defender a existência do problema e/ou sua importância?
Eu consigo avaliar objetivamente e de maneira segura quais são e qual o tamanho dos riscos envolvidos na decisão, o grau de complexidade da decisão e o tamanho do impacto dos seus resultados?
Existe outra pessoa na empresa que tem (ou pode ter) mais contexto do que eu?
2. Experiência
Nossas experiências anteriores ajudam a eliminar alternativas já testadas e a criar hipóteses com mais agilidade e confiança. Nosso repertório é formado pelos nossos acertos — mas também pelos erros que cometemos, analisamos e tornamos em aprendizado.
Quanto mais experiência temos em situações parecidas em contexto com a decisão que precisamos tomar, maior é nosso potencial de diminuir (ou pelo menos controlar) os riscos existentes e tomar uma boa decisão.
Existe um perigo, no entanto, que é forçarmos uma comparação entre a situação em que estamos e nossa experiência anterior, simplesmente por terem contextos remotamente parecidos. Ou então acharmos que ninguém na empresa tem mais experiência do que nós, mesmo isso não sendo verdade. Se isso acontece, significa que existem vieses cognitivos influenciando nossa capacidade de análise — e é receita pro fracasso. Vamos falar sobre como lidar com vieses em outro texto dessa série.
Pra saber se o seu grau de experiência é menor ou maior, você deve se fazer estas perguntas:
Minha atuação com uma situação parecida anteriormente foi de quem tomou a decisão?
O(s) contexto(s) anterior(es) era(m) estruturalmente semelhantes? Pense sobre tamanho e momento da empresa, contexto e momento de mercado (liderança, forte competição, etc.), time e áreas envolvidas, etc.
Essa decisão é parte corriqueira do meu trabalho? Ou completa e total exceção?
A última vez que tomei uma decisão num contexto parecido foi há menos de um ano? Ou mais?
Existe outra pessoa na empresa que tem (ou pode ter) mais experiência do que eu?
3. Comprometimento
A última alavanca descreve o quanto estamos envolvidos profundamente não apenas na decisão que deve ser tomada, mas principalmente em seus resultados — sejam eles bons ou ruins. Estar comprometido(a) significa que os resultados da decisão têm um grau de importância significativo para nós, seja ela objetiva ou subjetiva. No começo da minha carreira trabalhei definindo processos de inovação interna (os já ultrapassados programas de ideias). E um princípio básico pra que eles funcionassem é que a pessoa que teve a ideia deveria ser a líder da iniciativa, até o final. Muitas vezes eram pessoas sem competência técnica, mas que compensavam com o comprometimento no projeto.
Quando estamos comprometidos, nós buscamos uma compreensão muito mais abrangente e profunda da situação. Ficamos muito mais atentos, somos mais protagonistas e movimentamos mais as coisas — e isso impacta diretamente tanto na qualidade quanto na velocidade das nossas decisões.
Pra saber se o seu grau de comprometimento é menor ou maior, você deve se fazer estas perguntas:
A decisão em questão está diretamente ligada: 1) ao meu cargo e 2) às minhas prioridades atuais?
A maior responsabilidade pela execução da decisão é minha?
Eu serei a pessoa com maior responsabilidade na empresa pelos resultados e consequências da decisão?
Caso a decisão não tenha sido a correta, eu serei a maior responsável por consertar as coisas?
Existe outra pessoa na empresa que tem (ou pode ter) mais comprometimento do que eu em relação à decisão?
Entendendo os resultados
A gente sugere pontuar seus resultados num diagrama como esse. Ele vai ajudar você a ler os resultados e partir pra ação mais rápido.

Quanto maior forem nosso contexto, experiência e comprometimento sobre a decisão a ser tomada, maior pode (e deve) ser o nosso nível de autonomia.
Isso deveria se materializar no framework em algo parecido com isso:

Quando o nosso contexto, experiência e comprometimento sobre a decisão são menores, significa que provavelmente outra pessoa deve tomar o controle da decisão. E nós devemos atuar em outro papel.
Um resultado onde há poucas alavancas se materializa em algo desse tipo, por exemplo:

O que pouco se fala é que existem outros papeis tão importantes — e tão difíceis de executar quanto a decisão em si.
Se entendemos que não temos controle sobre a decisão em si, precisamos avaliar que outros papeis devemos assumir no processo e aumentar as chances de sucesso.
De maneira geral, nosso papel pode variar na seguinte escala (do menor para o maior grau de autonomia):
Acompanhar o processo de decisão: entender o porquê;
Facilitar o processo: mobilizar pessoas e recursos, estruturar dinâmicas e viabilizar o acesso às informações necessárias para garantir que as pessoas certas tomem a melhor decisão possível;
Recomendar: não tomamos a decisão mas estruturamos os cenários pra guiar a decisão;
Opinar: nesse caso somos consultados e nossa opinião considerada na decisão final;
Decidir.
OBS: Essa escala é um “mexidão” de um monte de frameworks que existem por aí. E acabamos adaptando desse jeito para o contexto específico desse texto.
Toda decisão possui todos esses atores, estejam eles claramente mapeados ou não. E cada um desses atores tem sua importância dentro do processo. É aqui que precisamos manter a consciência de que não estamos buscando holofotes e sim cumprindo um papel para que a decisão seja tomada com a maior qualidade possível. Que papel assumimos é infinitamente menos relevante do que o resultado do processo.
Todo esse processo de autoavaliação melhora a nossa percepção da realidade e amplia a nossa consciência. No nosso dia-a-dia deveria ficar bem claro pra nós quando a culpa por decisões ruins é nossa. E a partir disso nossa atuação deveria ser muito mais colaborativa, imparcial e objetiva.
OBS: nem toda decisão precisa passar por essa autoavaliação. Decisões de baixo risco ou mais corriqueiras não precisam de um processo tão estruturado. A ideia é que, com a prática, esse framework fique cada vez mais natural e incrustado no seu raciocínio.
Semana que vem vai ter encontro pra discutirmos juntos este assunto : )
A gente acha que tudo isso é importante demais pra ficar só na leitura. Por isso vamos estar online no dia 14/12 (terça) às 19h pra conversar com vocês sobre esse texto, ouvir suas dúvidas e trocar experiências que possam ajudar a gente a melhorar esse framework. A ideia é ajudar a materializar e colocar em prática tudo o que estamos escrevendo aqui e aumentar suas chances de decidir melhor e com muito mais confiança.
E se não rolar de colar nesse, venha no próximo! Vamos rodar esse evento para todos os textos dessa série que vamos publicar.
Coloca esse evento na agenda pra não esquecer, ou segue a gente lá no meetup.com pra ficar sabendo sempre que tiver novos encontros!
Agora temos site.
Entra lá pra entender um pouco mais sobre porque criamos isso aqui e o que nos move. Também dá pra ver o que estamos aprontando: cursos, publicações, entre outras coisas. Vai lá!
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